O luto de nós mesmas.
- Mayara Rosa Gonçalves
- 15 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de fev. de 2022
Falar sobre a vida, é também falar sobre morte, ambas estão conectadas.
Ao longo de nosso desenvolvimento, nos deparamos com perdas, lutos no nosso dia a dia, mas constantemente as negamos.
O luto é um processo reorganização psíquica, necessário em todas as fases de nossa vida, pois em cada uma delas perdemos algo para que haja transformação e se inaugure um novo ciclo.
A negação ou negligência da perda, pode nos acarretar em sofrimentos no futuro, que muitas vezes pode apresentar-se através de desordens como ansiedade ou depressão, não nomeadas, momentos em que o indivíduo não sabe dizer o por que está se sentindo assim. E é no processo de terapia que muitas vezes encontramos a causa, podendo as nomear e elaborar.
Ao longo de nosso desenvolvimento, passamos por etapas e momentos em que muitas vezes, perdemos algo, aqui não falo somente sobre a perda de alguém, um ente querido ou um pet, falo que algo de nós mesmo.
Após o nascimento, nós enfrentamos nosso primeiro luto: Sair do lugar escuro, protegido e quentinho, para o nosso mundo aqui fora, que se apresenta barulhento, muito claro, com muitas pessoas ao nosso redor.
Durante a infância, aprendemos junto aos nossos pais e familiares valores e crenças, o certo e o errado, passamos a ter que esperar, dividir, respeitar, entendo que existe a frustação. Conhecemos muitos sentimentos, como eles são e podemos dar nomes a eles.
A fase escolar nos mostra que precisamos seguir regras e a transição do jardim para a primeira série, muitas vezes é impactante, pois o que antes era só diversão, agora será alfabetização e o dia do brinquedo é deixado na fase anterior. É aqui que a forma como lidamos com o apego, influenciará na forma que enfrentamos os lutos no futuro.
Na adolescência, período de uma ambivalência emocional, para uns a melhor fase, para outros a pior, mas sem dúvidas ela é de maiores mudanças. Despedimo-nos de quem éramos como crianças e damos “boas vindas” a quem seremos como jovens.
Aqui passamos pela perda do corpo infantil, da nossa identidade de criança, de sermos o “café com leite”, e passamos a assumir as modificações corporais, hormonais, gostos, preferências, passamos a ter desejos e sentimentos mais intensos. As cobranças são mais presentes, por mais responsabilidades, por ter que escolher uma profissão, estudar cada vez mais, seja na escola, no técnico, curso de inglês, espanhol, mandarim...e muitas outras atividades a serem realizadas.
A vida adulta não é diferente, todos os dias temos que tomar decisões, fazer renúncias, adiamentos de planos e sonhos. Aqui nos deparamos com lutos de términos de relacionamentos, demissão de empregos que gostamos e de quem éramos antes. Assumimos mais papéis sociais, tendo que nos dividir em vários contextos, nos deixando em muitos momentos de lado, esquecendo quem somos em essência, nos desconectamos de nós para sermos dos outros ou do mundo.
Me permito falar sobre nós mulheres, que ao longo de nosso desenvolvimento, vivenciamos todas as modificações de forma intensa e nos cobramos para sermos fortes e darmos conta de tudo, mesmo quando não sabemos dar conta. Cada uma de nós vamos enfrentar cada fase de forma individual e nomear qual delas foi mais desafiadora.
Se até aqui, nossa jornada de perdas e lutos foi instigadora, a Maternidade é vista como “O grande desafio”, não só por ter que cuidar e se doar a um Ser, que no primeiro momento necessita de apoio 100 % do tempo e lidar com todas alterações hormonais e físicas, mas principalmente por enfrentar o luto da mulher que se era antes de ser mãe para dar espaço a uma nova versão de si mesma. É o olhar no espelho e não reconhecer-se, um luta constante para ser como era antes, mas ter que aceitar que o agora é diferente. Um misto de bom com ruim, e muitas vezes de perda de autonomia, da sua privacidade, há uma invasão que ultrapassa os limites do seu próprio maternar. Muitas pessoas dizendo o que deve ou não ser feito, e poucas, até mesmo quase nenhuma, que verdadeiramente volta-se para a nova mulher.
Tal processo, é singular de cada mulher, sendo para algumas mais fácil de lidar e para outras mais complexo. Enfrentar esta transição, exige um recolhimento interno, exige autoconhecimento e aceitação da desconstrução para reconstruir-se. A rede de apoio neste momento é essencial, a psicoterapia oferece um lugar para dar voz, para falar de todas as suas angústias, dúvidas, medos e junto elaborar e ressignificar.
Finalizo, convidando a todas a se conhecerem, no mais íntimo, pois o autoconhecimento é essencial para lidarmos com nosso lutos diários e modificações. Estar aberta para o novo que virá, auxiliar a elaboração e ressignificação de cada etapa. Busque por ajuda e crie sua rede de apoio.
Autora: Virgínia Tubio


Virgínia Tubio, Psicóloga Clínica, inscrita no CRP 06/122193.
Atua na área clínica desde 2015, com atendimento de adolescentes e adultos, sob a ótica da abordagem Psicanalítica. Já realizou trabalhos com Luto, pessoas transgênero. Além de atuar com alunos de medicina em trabalho multidisciplinar com equipe de nutrição. Atualmente atende diversas demandas: Ansiedade, Depressão, Luto, Maternidade, Adolescência.
Nossa parceira tem o objetivo de acolher cada paciente, com suas singularidades de forma sigilosa e segura, em sua demanda, dores, angústias e dúvidas, ajuda-los a equilibrar e tornar mais clara a relação com seu “Eu” interior e seus questionamentos, fazendo da análise um agente transformador.
"Se autoconhecer é a chave que te liberta para o mundo, pois a partir dai, entendemos e agimos com mais consciência." - Virgínia Tubio.
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